Carteirada no Brasil: você sabe com quem está falando?

Qualquer profissional da Segurança Pública já passou por alguma situação onde uma “carteirada” aconteceu. O recente caso do Desembargador Eduardo Siqueira, que desacatou o Guarda Civil de Santos-SP, quando foi abordado por não estar usando máscara, não foi o primeiro e nem será o último. "Você sabe com quem está falando?". Casos semelhantes de carteirada no Brasil, infelizmente, são bastante comuns. O “Princípio da Legalidade” é garantido pelo Artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso II, que determina: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A argumentação do magistrado, neste ponto, não está errada. Foram seus colegas, porém, superiores a ele, aliás, que feriram este princípio e deram aos governadores e prefeitos o poder para inobservarem a Constituição e criarem obrigações via decretos.

Violação de direitos

Foi assim, com a conivência e cumplicidade do STF, que violaram direitos básicos dos cidadãos. Como por exemplo, o direito de ir e vir, garantido também pelo Artigo 5º, em seu inciso XV, que foi absolutamente ignorado quando bloquearam estradas e, até, determinaram toques de recolher. Algo que, Constitucionalmente, só poderia acontecer durante um Estado de Sítio, decretado pelo Presidente da República e aprovado pelo Congresso Nacional. Coisa que não aconteceu. Porém, não cabe à GCM de Santos, nem a nenhuma das Forças de Segurança Pública do país, questionar as determinações da Suprema Corte. Estão ali cumprindo ordens, sujeitos a severas sanções em caso de desobediência. O desembargador, instruído que é, sabe de absolutamente tudo isso. E, como ele próprio afirmou e fez questão de demonstrar, tem muito mais poder e influência do que um Guarda Civil. Por que, então, ciente das arbitrariedades cometidas pelos operadores do direito, não faz uso deste conhecimento para apontar os erros e engajar outros colegas, também poderosos, no questionamento e combate às medidas totalitárias que vêm sendo tomadas contra o povo?

Carteirada? Mas e os direitos?

Não se preocupa e nem questiona o fato de direitos estarem sendo tolhidos, porque se julga membro de uma “casta superior”. Ou seja, não está sujeito às mesmas normas sociais que os demais cidadãos, utilizando-se das carteiradas. A dona de casa pode ser presa por estar sentada em um banco de praça, o comerciante pode ter as portas de seu comércio soldadas, mas ele não. Ele é um nobre desembargador, que está imune a tudo isso, graças à carteira que carrega no bolso. Operadores do direito, em especial juízes e desembargadores, que recebem fortunas do dinheiro público para garantirem o cumprimento da lei, deveriam ser os primeiros afetados por toda e qualquer decisão judicial. Se assim fosse, tornar-se-iam extremamente vigilantes. Como não é o que acontece; como portam uma identidade funcional que faz-lhes crer serem absolutamente inimputáveis, dando carteirada. Assim, fecham os olhos para as consequências das decisões de seus colegas e, muitas vezes, deles próprios. É urgente acabar com essa ideia de que a elite do funcionalismo público, além de seus salários nababescos, possui uma fonte inesgotável de privilégios. Quem tem como obrigação da função fazer com que as leis sejam cumpridas, deve ser o primeiro a dar o exemplo de cumpri-las. Principalmente, tem o dever de respeitar e enobrecer àqueles que, todos os dias, estão nas ruas, fazendo valer as decisões de seus pares. A palavra convence, excelentíssimo desembargador. Mas é o exemplo que arrasta.

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